“As
classes dominadas, portanto, tenderão a lutar pela transformação dos órgãos
privados e estatais em órgãos públicos, sob formas e mecanismos que
evidentemente ainda estão por serem engendrados e desenvolvidos. E finalmente,
então, o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal
como ela existe hoje”. Esse trecho foi retirado do texto que trata os padrões
de manipulação da imprensa do jornalista Perseu Abramo, e foi escrito em 1988. Já
naquela época, era ainda livre da cibercultura, o comentário era de que o
jornalismo iria exigir uma mudança, que as pessoas clamariam pela democracia nos
meios de comunicação e por uma informação livre de interesses econômicos ou
partidários.
Muita
coisa aconteceu na comunicação depois do texto de Abramo. A internet chegou aos
lares brasileiros, o acesso à informação foi se tornando cada vez maior e,
principalmente, a participação e a influência nos meios foi sendo um fator cada
vez mais relevante. Se antes o leitor do tradicional jornal impresso tinha o
restrito espaço de cartas ou os bares da esquina para comentar sobre as
notícias, hoje ele tem um espaço cibernético, que é muito maior e de alcance
ilimitado.
Não
são mais só os amigos do bar que vão ouvir os comentários de que a mídia não é
um meio imparcial e que está tendendo a um lado partidário, dessa vez, serão
pessoas de fora do Brasil, autoridades e os próprios envolvidos no processo de
fazer a notícia. A diferença que tal fator traz é enorme. Tão grande, que um
leitor insatisfeito é capaz de ver que não está sozinho e clamar por uma
cobertura mais democrática. Como Abramo previu, foi exatamente isto que
aconteceu.
O
momento das manifestações de junho foi o ideal para observar o caminhar de
novos rumos da comunicação. As pessoas sabiam que os manifestantes estavam
reivindicando contra os baixos investimentos em setores básicos do país, uma
crescente corrupção, e , em sua maioria, concordavam com tais protestos. Mas, o
que se via nos veículos tradicionais era algo bem diferente do que se esperava.
A mídia inicialmente ficou do lado das autoridades e resolveu tratar dos abusos
da polícia durante as manifestações como certos e instaladores da ordem, e o
povo se revoltou. Não era exatamente aquilo que se queria assistir. A população
queria poder ver e ler o relato de cada um que estava participando daquela
manifestação e entender o porquê ela havia chegado a mais de um milhão de
pessoas nas ruas das capitais paulista, fluminense e mineira.
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Mídia Ninja fez sucesso e conquistou o público na cobertura das manifestações. Foto: divulgação |
Neste
momento, surgiram, tímidos, os coletivos jornalísticos. Enquanto a transmissão
tradicional da mídia não agradava, as pessoas podiam entrar em suas redes
sociais e se deparar com vídeos quase caseiros, mas com a qualidade de mostrar
o que até então não se retratava: o lado dos manifestantes. Grupos como Mídia
Ninja começaram a ganhar fama. Os internautas e jovens ativistas sabiam que
pelo menos até o momento, os coletivos mostravam uma cobertura isenta e sem
qualquer interesse comercial com um grupo específico.
A profecia
de Abramo de que no futuro as pessoas clamariam por uma comunicação democrática
foi ganhando tons de realidade. Após o episódio da cobertura dos coletivos nas
manifestações, a mídia tradicional tomou um tom diferente, viu e ainda vê que precisa estar mais isenta e
agir com menos interesses. O sucesso não
se restringiu só a época das manifestações, outros coletivos surgiram após o
episódio e fizeram sucesso. O grupo “A ponte”, do ex-jornalista da Folha André
Caramante e de seus colegas de profissão, surgiu com o intuito de mostrar o
abuso dos direitos humanos praticados, principalmente, pelas autoridades, e vem
funcionando. Um outro modelo de sucesso como a Agência Pública de jornalismo
investigativo, também surge com a proposta ambiciosa de fazer matérias
investigativas, sem fins lucrativos, mas com uma qualidade elevada.
Se
os coletivos jornalísticos vão ser o
futuro da mídia democrática, ainda não sabemos, mas o que se tem a certeza, por
enquanto, é de que a população não está feliz com o modelo tradicional da
imprensa, e clama por mudanças no mercado da comunicação. E essa mudança estaria
ligada a visões democráticas, pluralidade de vozes, o respeito ao leitor e uma
qualidade cada vez maior do material publicado. Elementos que a imprensa
precisa ainda desenvolver cada vez mais.
Aline Rodrigues Imercio