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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O clamor pela mídia democrática


“As classes dominadas, portanto, tenderão a lutar pela transformação dos órgãos privados e estatais em órgãos públicos, sob formas e mecanismos que evidentemente ainda estão por serem engendrados e desenvolvidos. E finalmente, então, o jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a Imprensa, tal como ela existe hoje”. Esse trecho foi retirado do texto que trata os padrões de manipulação da imprensa do jornalista Perseu Abramo, e foi escrito em 1988. Já naquela época, era ainda livre da cibercultura, o comentário era de que o jornalismo iria exigir uma mudança, que as pessoas clamariam pela democracia nos meios de comunicação e por uma informação livre de interesses econômicos ou partidários.
Muita coisa aconteceu na comunicação depois do texto de Abramo. A internet chegou aos lares brasileiros, o acesso à informação foi se tornando cada vez maior e, principalmente, a participação e a influência nos meios foi sendo um fator cada vez mais relevante. Se antes o leitor do tradicional jornal impresso tinha o restrito espaço de cartas ou os bares da esquina para comentar sobre as notícias, hoje ele tem um espaço cibernético, que é muito maior e de alcance ilimitado.
Não são mais só os amigos do bar que vão ouvir os comentários de que a mídia não é um meio imparcial e que está tendendo a um lado partidário, dessa vez, serão pessoas de fora do Brasil, autoridades e os próprios envolvidos no processo de fazer a notícia. A diferença que tal fator traz é enorme. Tão grande, que um leitor insatisfeito é capaz de ver que não está sozinho e clamar por uma cobertura mais democrática. Como Abramo previu, foi exatamente isto que aconteceu.
O momento das manifestações de junho foi o ideal para observar o caminhar de novos rumos da comunicação. As pessoas sabiam que os manifestantes estavam reivindicando contra os baixos investimentos em setores básicos do país, uma crescente corrupção, e , em sua maioria, concordavam com tais protestos. Mas, o que se via nos veículos tradicionais era algo bem diferente do que se esperava. A mídia inicialmente ficou do lado das autoridades e resolveu tratar dos abusos da polícia durante as manifestações como certos e instaladores da ordem, e o povo se revoltou. Não era exatamente aquilo que se queria assistir. A população queria poder ver e ler o relato de cada um que estava participando daquela manifestação e entender o porquê ela havia chegado a mais de um milhão de pessoas nas ruas das capitais paulista, fluminense e mineira.
Mídia Ninja fez sucesso e conquistou
 o público na cobertura das manifestações.
Foto: divulgação
Neste momento, surgiram, tímidos, os coletivos jornalísticos. Enquanto a transmissão tradicional da mídia não agradava, as pessoas podiam entrar em suas redes sociais e se deparar com vídeos quase caseiros, mas com a qualidade de mostrar o que até então não se retratava: o lado dos manifestantes. Grupos como Mídia Ninja começaram a ganhar fama. Os internautas e jovens ativistas sabiam que pelo menos até o momento, os coletivos mostravam uma cobertura isenta e sem qualquer interesse comercial com um grupo específico.
A profecia de Abramo de que no futuro as pessoas clamariam por uma comunicação democrática foi ganhando tons de realidade. Após o episódio da cobertura dos coletivos nas manifestações, a mídia tradicional tomou um tom diferente, viu  e ainda vê que precisa estar mais isenta e agir com  menos interesses. O sucesso não se restringiu só a época das manifestações, outros coletivos surgiram após o episódio e fizeram sucesso. O grupo “A ponte”, do ex-jornalista da Folha André Caramante e de seus colegas de profissão, surgiu com o intuito de mostrar o abuso dos direitos humanos praticados, principalmente, pelas autoridades, e vem funcionando. Um outro modelo de sucesso como a Agência Pública de jornalismo investigativo, também surge com a proposta ambiciosa de fazer matérias investigativas, sem fins lucrativos, mas com uma qualidade elevada.

Se os coletivos jornalísticos vão  ser o futuro da mídia democrática, ainda não sabemos, mas o que se tem a certeza, por enquanto, é de que a população não está feliz com o modelo tradicional da imprensa, e clama por mudanças no mercado da comunicação. E essa mudança estaria ligada a visões democráticas, pluralidade de vozes, o respeito ao leitor e uma qualidade cada vez maior do material publicado. Elementos que a imprensa precisa ainda desenvolver cada vez mais.

Aline Rodrigues Imercio